O cenário histórico em 1964 se apresentava de forma conturbada, o
presidente João Goulart propôs uma série de reformas de base, na tentativa
de reverter o grave problema da desigualdade social no Brasil. Esta visão se
chocou a da direita, que propunha uma modernização conservadora. Com a
participação do Congresso, das classes média e alta, essa facção venceu, com
a deposição do presidente e a tomada do poder pelos militares. O golpe foi
apoiado pelos americanos e rompeu o regime da época, a democracia. A
burguesia manteve a concentração de renda e promoveu a expansão capitalista.
O general Castelo Branco se tornou o primeiro de uma série de presidentes
da ditadura e seu substituto foi Costa e Silva, que governou o país de 1967
a 1969 com mais poder ainda.
Também no terreno político, 1968 foi o ano em que as tensões chegaram ao
máximo, com as greves operárias e as manifestações estudantis. Em
consequência as repressões policiais se intensificaram e as guerrilhas rural
e urbana aumentaram suas ações, com o crescimento da oposição, Costa e
Silva, pressionado pela extrema direita, respondeu com o endurecimento
político. Em dezembro, o Ato Institucional nº 5 decretou o fim das
liberdades civis e de expressão, sacramentando a censura.
Já no cenário cultural, o pais passava por uma revolução. Haviam intensas
produções de teatro, canções de protesto e as músicas da jovem guarda. Em
todas as áreas mantinha-se acesa uma polêmica que propunha experimentalismo
e engajamento, participação e alienação. Em 1968 as controvérsias tomaram
grandes proporções. No campo da música, houveram confrontos entre os
artistas nacionalistas de esquerda e os vanguardistas do Tropicalismo. Estes
se exprimiram contra o autoritarismo e a desigualdade. Mas propuseram a
internacionalização da cultura e uma nova expressão do pais.
Grande parte das idéias do movimento tropicalista possui algum tipo de
relação com as propostas utilizadas durante as décadas de 1920 e 1930, dos
artistas ligados ao “Movimento antropofágico”, como Mário de Andrade,
Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade, entre outros, são especialmente
coincidentes as propostas de digerir a cultura exportada pelas potências
culturais, como a Europa e os EUA, e “regurgitá-la” após ela ser mesclada
com a cultura popular brasileira e as identidades nacionais. Em ambas as
propostas havia a intenção de definir a cultura nacional como algo
heterogêneo e repleto de diversidade, porém em ambos os movimentos esta
identidade é marcada por uma não identidade, mas ainda assim bastante rica.
A grande diferença entre as duas propostas (a antropofágica e a
tropicalista) é que a primeira estava interessada na digestão da cultura
erudita que estava sendo exportada, enquanto os tropicalistas incorporavam
todo tipo de referencial estético, seja erudito ou popular. E estes
introduzem uma questão nova, a cultura não necessariamente popular, mas
“pop”. O movimento, neste sentido, foi bastante influenciado pela estética
da pop art e reflete todo tipo de criação cultural, independente de classe
social e opção política.
Ainda que tenha sido bastante influenciado por movimentos artísticos que
costuma estar associados à idéia de vanguarda negativa, o Tropicalismo
também manifestou-se como um desdobramento do Concretismo da década de 1950
(especialmente da Poesia concreta). A preocupação dos tropicalistas em
tratar a poesia de suas canções como elemento plástico, criando jogos
linguísticos e brincadeiras com as palavras é um reflexo do Concretismo.
Durante a década de 1960, delinearam-se na música popular brasileira três
grandes tendências: a primeira era composta por artistas que herdaram a
experiência da Bossa Nova (ou seus próprios representantes), e compunham uma
música que possuía relações com o samba e o jazz (grupo no qual pode-se
inserir a figura de Chico Buarque); um segundo grupo reunido sob o título
"Canção de Protesto", que em geral estava pouco interessado em discutir a
música propriamente dita mas fazer da canção um instrumento de crítica
política e social (neste grupo destaca-se a figura de Geraldo Vandré); e
finalmente havia um terceiro grupo, especialmente dedicado a promover
experimentações e inovações estéticas na música formado justamente pelos
artistas tropicalistas.
Baseados no Concretismo e também no atual universo pop, com o
psicodelismo morrendo e novas tendências surgindo, um grupo de cineastas,
jornalistas, músicos e intelectuais resolveu fundar um movimento brasileiro
mas com possibilidades de se transformar em escala mundial: o Tropicalismo.
Segundo Oswald de Andrade a filosofia Tropicalista se reflete em
algumas das frases da época; "Diga-me com quem andas e te direi quem és."
"Eu sou um homem que trabalha há dez anos e nunca tirou férias." "Graças a
Deus não devo nada a ninguém e na minha casa não falta nada."
Essas e muitas outras frases do gênero, além de quase todos os
provérbios da língua portuguesa, formarão a linha mestra da filosofia de
vida tropicalista. Dia das mães, reveillon e Natal são festividades da maior
importância porque o Tropicalismo exige eventos e efemérides. As
comemorações serão feitas ao ar livre, em contato com a Natureza, em
infindáveis piqueniques onde estarão sempre presentes laranjas, bananas,
fritadas de vagem e garrafas de guaraná com leite dentro, rolhas de papel de
pão. Abaixo os jantares e coquetéis.
No contexto nacional, o Tropicalismo se beneficiou de contatos com outras
áreas artísticas, notadamente com importantes trabalhos de vanguarda. Como o
filme Terra em Transe, de Glauber Rocha, e a peça O Rei da Vela, montada por
José Celso Martinez Corrêa. Como a instalação Tropicália, do artista visual
neoconcretista Hélio Oiticica, que lhe emprestou o nome. A poesia concreta
dos irmãos Augusto de Campos e Haroldo de Campos e Décio Pignatari, que o
apoiaram à primeira hora. A poesia e a filosofia antropofágica do modernista
Oswald de Andrade (autor de O Rei da Vela), que lhe serviu de inspiração e
orientação.
Entretanto dado o caráter repressivo do período, a intelectualidade da
época (e principalmente determinadas fatias da juventude universitária
ligadas ao movimento estudantil) tendiam a rejeitar a proposta tropicalista,
considerando seus representantes alienados. Apenas décadas mais tarde,
quando o movimento já havia se esvaziado, ele passou a ser efetivamente
compreendido e deixou de ser tão menosprezado.
Referencia
ANDRADE, Oswald de. O pensamento vivo de Oswald de Andrade. Rio de Janeiro:
Ediouro, s.d.
CALADO, Carlos. Tropicália: a história de uma revolução musical. São Paulo:
Ed. 34, 1997.
terça-feira, 10 de maio de 2011
Tropicalismo e o movimento modernista no Brasil
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Gostei bastante da sua posição acerca do assunto!
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